**ATENÇÃO! Há algumas imagens fortes nessa postagem.**
Há tempos venho tentando encontrar um texto que explicasse isso para evitar a fadiga, e não o encontrei. Senti-me na obrigação de fazer um, tentando explicar sucintamente meu ponto de vista como cientista, que optou por não trabalhar com animais, mas entende e respeita a ciência que o faz.
Esses movimentos contra experimentação animal me deixam
indignada pela ignorância que o apoia. E aqui chamo de ignorância a pura falta
de conhecimento sobre como e porque de se fazer experimento com animais.
Uma breve introdução à
farmacologia
Não é obrigação de quem nunca cursou um curso de
farmacologia saber a complexidade da ação de um produto no organismo. Poucos,
aliás, sequer sabem que o organismo absorve o que cai na sua pele e metaboliza
isso, então tento relevar muita baboseira que vejo, antes de escrever um texto.
Logo, já relevei demais.
Todos os produtos que ingerimos são metabolizados: Tudo cai
na corrente sanguínea, uma hora ou outra (seja injetado, ingerido, besuntado na
pele), e segue para o fígado, onde é metabolizado como uma forma do organismo
inativar aquela molécula e excretar, livrando seu corpo o mais rápido possível
da ação daquele produto estranho. No entanto, existem moléculas que precisam
ser metabolizadas uma, duas, várias vezes até serem inativadas e eliminadas.
Essa repetição de inativações não ocorre repetidamente: O fígado tenta inativar
a molécula, ela continua ativa, cai na corrente sanguínea de novo, percorre o
organismo, volta para o fígado... E assim permanece até que haja sucesso na
depuração do produto.
Qualquer remédio que você consumir, vai ser assim. O que
você aplicar à sua pele vai ser assim. O anabolizante, hormônio ou medicamento
que você injetar vai ser assim.
E tudo seria lindo se a metabolização fosse perfeita e fosse
diminuindo o efeito das drogas. Mas não é. E tem vezes que o fígado tenta
inativar uma molécula, mas acaba gerando um metabólito secundário extremamente
tóxico para o organismo, que pode até levar à morte.
Logo, antes que qualquer produto seja liberado para consumo
humano, é preciso fazer ZILHÕES de testes para prever que não vá ser tóxico e
que não vá matar alguém. E eu digo PREVER porque, embora sejamos (humanos e
animais de laboratório) todos mamíferos, nem todos os organismos metabolizam
produtos da mesma forma (as variações enzimáticas entre as espécies são
grandes), e o teste em animais de diferentes espécies é a maneira que a
farmacologia usa para tentar minimizar os efeitos graves quando os produtos
chegam a testes clínicos (com humanos).
***
Nós, pesquisadores, trabalhamos com animais não porque gostamos
ou porque menosprezamos os bichinhos. Simplesmente não há como gerar organismos
similares a humanos, que façam todas as metabolizações de droga que os órgãos
humanos fariam (órgãos porque, embora o fígado seja o grande mestre, muitos
outros participam dessa alteração metabólica), para trocar o sistema de
experimentação de produtos. Se esse organismo fosse gerado, aposto que muito
mais órgãos cairiam de pau em cima questionando a ética e viabilidade de uma “máquina
humana”, do que os comitês de ética caem em cima quando você sugere um número
absurdo de animais para fazer um teste.
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Biotério climatizado. |
Há sim comitês de éticas que avaliam o uso de animais em
pesquisa. Mas nenhum tapado compõe a banca, tentando inviabilizar um projeto
com a desculpa de especismo. Esses comitês avaliam não somente se é necessário
o uso de animais, como também estudam como é a proposta de tratamento desses
animais. Os animais experimentais ficam em ambientes controlados, tem
alimentação controlada e adequada, e hoje tem-se evitado ao máximo sacrifícios
que possam levar o animal a um sofrimento contínuo.
Circulam pela internet fotos de animais em estado
depreciativo, com títulos de que esse puro sofrimento é experimentação animal,
dando uma ideia de que só porque os animais chegaram àquele estado, eles foram
mal cuidados e desprezados pelos pesquisadores.
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Pesquisas com animais de médio e grande porte são extremamente controladas e só são permitidas em casos excepcionais. Essa foto é puro SENSACIONALISMO. |
Não caiam nessas bobagens. Embora a experimentação possa sim
machucar os animais, os testes são feitos justamente para ver se o produto em
teste não prejudicaria o ser humano. As indústrias de cosméticos vivem em uma
batalha fervorosa para lançar produtos novos no mercado, que fazem milagres na
pele e cabelos; indústrias farmacêuticas testam drogas porque se uma substância
tem um potencial alvo como fármaco, só por sua molécula é impossível (talvez
possamos dizer ainda) saber como será
sua metabolização se não inseri-la em organismos vivos.
Sem os animais, hoje não teríamos antibióticos,
anti-inflamatórios, antipiréticos, ansiolíticos, hormônios, quimioterápicos.
Não teríamos cremes, unções, géis, pastas. Xampus, sabonetes, hidratantes... Teríamos
venda indiscriminada de ervas tóxicas que são ditas curativas, e a venda de
produtos contaminantes e contaminados... Enfim! Hoje não teríamos um mercado
capaz de prover uma boa qualidade de vida se não fossem os animais de
laboratório, que morreram para que você não morresse.
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Esteróides também são experimentados em animais. Parece tão cruel pra você? |
Há extremistas hoje chamando essa diferenciação animal de “especismo”.
Sou cuidadosa e prefiro não confundir as coisas antes de levantar uma bandeira.
A experimentação humana foi feita, sim, há décadas, com pobres, negros e
marginalizados. É antiética, amoral e depreciativa (leiam o livro “A Vida Imortal
de Henrietta Lacks” para entender um pouco, ou assistam ao filme “Quase Deuses”).
É proibido que haja testes iniciais em humanos, justamente pela falta de
conhecimento dos riscos que um produto desconhecido pode trazer à vida de
alguém. Não há como tentar progresso na saúde humana se não usarmos outros
meios para tentar curar o câncer, infecções, diabetes... Não é possível tentar
evitar infartos, AVC’s ou doenças autoimunes se você não testar drogas em
bichinhos, antes de ministrá-las a um ser humano.
Portanto, antes de criticar, pense na sua avozinha que sofre
de hipertensão, no seu tio que teve câncer, na sua pílula que não te deixa
engravidar, no seu remédio para labirintite, queda de cabelo, ansiedade.
Lembre-se da pomada que você usa, do “gelol” que você passa, do desodorante que
te mantem cheirosinho o dia todo. E lembre-se que sem os animaizinhos de
laboratório, você não teria nada disso ao seu alcance. Lembre-se do amianto que
você não respira mais, do mercúrio que não está mais contaminando a sua água,
do césio que tira seu raio-X. E lembre-se que graças aos bichinhos, você não é
um tumorzinho ambulante.
Antes de criticar a experimentação animal, viva-a. Entenda
como é a rotina de laboratório de quem precisa dos animais para pesquisar.
Estude farmacologia, entenda como tudo que entra no organismo age, como se
acumula na sua gordura, ou como é eliminado. ENTENDA. Antes de criticar,
estude. E se for criticar, sugira, com propriedade, uma nova forma de
experimentação, mas não tente barrar uma pesquisa que pode te curar de um
câncer daqui 10 anos. Mas não recrimine quem usa animais para estudo, se você
leu esse texto todo com sangue nos olhos, discordando já desde a primeira
palavra, e se bloqueou a entender qualquer explicação que eu tentei dar só
porque, durante o texto, inseri meu ponto de vista. Não cheguemos, mais uma
vez, à fadiga de uma discussão.