O que eu aprendi com a Medicina Chinesa

Como profissional da acupuntura há dois anos, hoje eu vejo como a medicina chinesa mudou o meu eu, o meu jeito de ser.

Para ser acupunturista, você precisa primeiro entender a maneira chinesa de pensar. Precisa aprender a parar de pensar quadrado e pensar redondo, sem precisar beber cerveja pra isso. E precisa parar de pensar quadrado porque, no corpo, no ser humano, um problema não começa quando termina o outro, como num ângulo reto entre duas arestas. Um problema sempre é consequência de um todo que está em desarmonia, e esse todo é um ser único, contínuo, que nem sempre tem um ponto de partida fácil de definir.




A visão holística do ser humano me permitiu enxergar a fundo como as emoções controlam a matéria e como a matéria influencia nas emoções. Me permitiu entender porque algumas mulheres tem TPM e outras não, porque algumas tem um ciclo menstrual perfeito e outras não. Me permitiu enxergar como a raiva dá gastrite, como a depressão gera cansaço e como o medo paralisa.


Integrando tudo isso e juntando com o paciente, nós sabemos porquê algumas dores vêm com a insegurança e porque outras vem com a indecisão. Nós montamos um quebra-cabeça do paciente e buscamos as raízes desses problemas que hoje afloram nos músculos, na pele, e se mostram nos olhos.


E enxergando esse todo e tratando pacientes, vai ficando cada vez mais claro que nossa sociedade não precisa ser escrava de medicamentos para viver. Às vezes basta uma boa noite de sono para as dores sumirem. Às vezes, é um desabafo. Na maioria das vezes, é só mudar alguns hábitos alimentares…


Porém, vivemos em uma sociedade que glamouriza o uso de medicamentos. Quanto mais caro e mais forte for, melhor a história, maior a glória. Lógico, existem situações em que o paciente precisa de uma intervenção medicamentosa para se reestabelecer - e graças a deus nosso avanço científico chegou ao ponto de termos drogas para quase todos os problemas. Mas quando os problemas são comuns, como uma gastrite, por exemplo, parece que nenhum médico mais se pergunta: Qual a origem dessa gastrite? - Por que ela volta o tempo todo nesse paciente? Como devo agir para que ele não fique escravo do omeprazol pro resto da vida?


Essa humanização na medicina ociental atual parece que se perdeu. Hoje os médicos trabalham com estatísticas e remédios. Reduziram os pacientes a números que fazem parte de uma reta e, em 20 minutos, prescrevem algo para ele dormir, para a digestão ficar mais fluida, para a dor muscular ser menos intensa. Os médicos parecem que desistiram de conscientizar o paciente que sua maneira de vida, que seus hábitos diários são a maior causa dos problemas. "Eu tenho crise de ansiedade quando tomo muito café". O médico devia ensinar esse paciente sobre os efeitos da cafeína e convencer seu paciente a diminuir ou parar o café. Mas ele receita rivotril.


E essa cultura médica de ser dependente de remédios já está tão incrustada na sociedade, que o paciente também não quer saber de mudar seus hábitos para melhorar. Ele quer que o mundo mude para que ele viva bem, mas não está disposto a parar de consumir o leite que dá estufamento, gases, digestão lenta, gastrite, endometriose e ovário policístico. Ele não quer deixar de comer gordura e passar a comer alimentos mais saudáveis no dia-a-dia. Pra quê? Tem remédio pra baixar colesterol!


Geralmente, quando o paciente chega no nosso consultório, ele já está esgotado. Ele buscou todas as alternativas possíveis da medicina ocidental, já está sofrendo há meses e se rendeu a uma terapia complementar como um ato de desespero. E às vezes o problema está tão crônico que nem sempre nós conseguimos tirar do paciente a dor intensa na primeira consulta. Mas vamos conversando, perguntando como ele dorme, o que ele come, hábitos de vida e junto vamos sugerindo algumas mudanças. Com as agulhinhas da acupuntura, ajudamos o paciente a dormir melhor - e o corpo se revigora porque está descansando na hora que tem que descansar. Conseguimos fazer com que ele deixe de tomar bebidas geladas, e ele relata que a digestão melhora. Conseguimos (esse é mais difícil, mas conseguimos) fazer com que ele pare de consumir leite, e quando ele para, ele percebe que os mucos da garganta e do nariz somem, e ele consegue respirar novamente.


Com a medicina chinesa, então, eu aprendi uma medicina humanizada. Uma medicina que vai te mostrar que nem sempre você precisa de medicamentos o tempo todo. Às vezes basta uma massagem pra soltar uma tensão no pescoço, basta um bom chá de melissa pra ajudar a dormir, basta um escalda-pés com óleo de lavanda para diminuir as cólicas menstruais. 



Às vezes, basta o paciente buscar um psicólogo e iniciar uma terapia, pra poder falar o que pensa e ouvir sem ser julgado. E para refletir quando se ouve expondo aquilo que não conseguia falar para ninguém. Mas nem isso os médicos sugerem mais. 


Precisamos resgatar essa humanização no cuidado com os pacientes. Precisamos entender a origem das dores. Nós precisamos apagar o fogo e fazer o rescaldo para não sobrar nenhuma fagulha que possa voltar a queimar tudo depois. E isso é o que a medicina chinesa faz. E vou confessar: Eu nunca me senti tão feliz podendo ajudar as pessoas com o meu trabalho e reacendendo em mim, todo dia, essa humanidade de buscar entender o outro para desvendar a origem dos problemas, e assim o ajudar. Não há sensação maior em ver um paciente que chegou prostrado em seu consultório terminar um tratamento de acupuntura sorrindo, alegre, ativo e sem dores. Simplesmente, não há.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Sou água

Momento (E)Terno

Você já analisou o Efeito Borboleta da sua vida?